Portugal e Japão: como os opostos também podem complementar-se
Portugal e Japão são velhos conhecidos a nível cultural, mas ainda há muito a fazer para aumentar a perceção económica lusa em terras japonesas. Se as empresas japonesas há muito descobriram Portugal para fixar operações, da tecnologia à indústria automóvel, as organizações portuguesas apontam agora a nichos para conseguir penetrar no mercado da Terra do Sol Nascente.
1 de fevereiro é um dia importante para os japoneses. Terça-feira, dia 11, assinala-se o Dia Nacional da Fundação do Japão, uma data que é feriado nacional no Japão e em que os nipónicos assinalam a fundação mitológica da nação e a ascensão do seu primeiro imperador, Jimmu, em 660 a.C.
Muitos anos depois disso, os destinos de portugueses e japoneses cruzaram-se – mais precisamente em 1543, quando os portugueses desembarcaram no sul do arquipélago japonês.
Já no século XXI, não são só os quase 11 mil quilómetros de distância física que separam os dois países – também existem consideráveis diferenças entre economias e poder de compra. Enquanto o gigante nipónico ocupa o terceiro lugar entre as economias mundiais mais poderosas, Portugal fica-se por um modesto 49.º lugar no ranking geral. Se o rigor japonês gerou um PIB de 4,2 biliões de euros (4,2 trillions), Portugal está noutro patamar de valores, atingindo os 203 mil milhões de euros, segundo dados de 2018.
Vistos como os dois lados do espetro da produtividade – de um lado a flexibilidade portuguesa e do outro a disciplina laboral japonesa -, ao longo dos anos cresceram os pontos de contacto entre as duas nações, nomeadamente no aspeto cultural. A Câmara de Comércio e Indústria Luso-Japonesa (CCILJ) pretende promover as relações bilaterais, sobretudo a nível comercial, mas Paulo Ramos, presidente da CCILJ, reconhece que a cultura acaba por ter um papel de destaque nesta caminhada. “Como existe uma grande relação cultural entre Portugal e Japão e, sobretudo em Portugal, há muita procura da cultura japonesa, acabamos também por fazer alguma divulgação dessa parte.”
Não porque seja o propósito ou a missão, mas porque ajuda a que haja algum enquadramento comercial. Não há aprendizagem da cultura empresarial japonesa sem haver aprendizagem da cultura”, explica ao DN/Dinheiro Vivo. Workshops de japonês ou de origami servem de exemplos – habitualmente preenchidos por empresários portugueses, em busca de maior conhecimento sobre o país, que possa servir de vantagem para chegar ao mercado.
Pelos números da CCILJ, baseados em dados da Embaixada do Japão, existem cerca de 70 empresas japonesas a operar em Portugal. Ao longo dos anos, a pegada nipónica em Portugal tornou-se mais diversificada e já não está apenas ligada à indústria das tecnologias de informação ou ao setor automóvel. A indústria agroalimentar tem conquistado peso – o grupo HIT, dedicado à transformação de tomate, é um dos exemplos.
O setor alimentar tem conquistado gradualmente destaque nas exportações portuguesas para o Japão. Os produtos agroalimentares encabeçam a lista, representando 36,5% das exportações nacionais para o país asiático. Os produtos de tomate transformado são os que maiores receitas geram, com valores de exportação na ordem dos 26 milhões de euros (entre janeiro e novembro de 2019).
Mas, conforme explica Paulo Ramos, ainda há muito trabalho a fazer no campo da promoção das empresas portuguesas no mercado japonês. “Gostava muito de dar uma resposta diferente, mas a perceção de Portugal a nível económico no Japão é praticamente nula. Não há grande referência, quer a marcas quer a empresas portuguesas.” Ainda assim, Paulo Ramos diz que costuma recomendar aos associados a cultura como “a melhor forma” de vender Portugal no Japão”. “Há uma reação positiva a Portugal”, explica.
Embora a CCILJ organize missões para projetar os negócios portugueses em solo japonês, há dificuldades na escala de mercado. “O que é difícil [para estas missões] é normalmente ter audiência de peso, porque os valores e volumes de exportação das empresas portuguesas são habitualmente baixos quando se fala com os grupos japoneses”, lamenta.
O acordo comercial entre a União Europeia e o Japão, que entrou em vigor em fevereiro de 2019, tem um potencial para impactar 635 milhões de pessoas e poderá abrir portas aos produtos portugueses no país asiático. “A vantagem que a maior parte dos empresários viu foi a redução, ou até a anulação, das tarifas alfandegárias sobre os produtos. E isso traz, face aos produtos que estão no Japão, alguma vantagem relativamente aos outros produtos, seja dos EUA ou sul-americanos”, sublinha Paulo Ramos.
Para o responsável, o setor agroalimentar e especialmente o setor vitivinícola são os que podem assumir maior competitividade além-fronteiras, aproveitando a onda deste acordo comercial. “Como existem mais produtos [no mercado japonês], há uma saturação por parte do consumidor e há quem vá à procura de produtos de outros países, como Portugal, Geórgia, Grécia, e outros produtos que têm uma boa relação de qualidade-preço e que podem entrar no mercado”, aponta, reforçando que os produtos portugueses poderão entrar através de nichos de mercado. Aliás, Paulo Ramos reforça que costuma recomendar aos produtores portugueses a aposta em importadores com portfólios mais pequenos, “onde possa haver maior poder de influência”. Afinal, é fácil os produtos portugueses serem ofuscados pelos “suspeitos” do costume – França ou Espanha – com volumes de exportação e escalas maiores. “Quando as empresas portuguesas perguntam se devem apontar para os maiores importadores o nosso conselho é sempre que não, porque não faz muito sentido fazer parte de um portfólio onde existem 400 ou 500 produtos e onde a notoriedade do produto português vai ser claramente esbatida.”
Para o responsável, “é muito positivo aproveitar um arrastamento positivo dos produtos europeus” à boleia deste novo acordo comercial, “indo para franjas” do mercado. Afinal, aquilo que num mercado com 126 milhões de habitantes é um nicho, ganha peso quando comparado com a escala portuguesa. “A questão é que as franjas do mercado japonês são suficientes para aumentar o valor que as empresas portuguesas retêm. A dimensão do mercado é grande, apesar de ser um mercado que tem muitos produtos, mas também porque o consumidor tem poder de compra e reconhece os produtos com qualidade.”
Flexibilidade portuguesa e trabalho em equipa são valorizados
Estima-se que as empresas de origem japonesa criem milhares de postos de trabalho em Portugal, divididos principalmente entre a indústria automóvel, através da Honda ou do grupo Mitsubishi, nas TI, com Hitachi, Konica Minolta ou Fujitsu, sem esquecer a indústria alimentar. A Hitachi Vantara, resultante da fusão iniciada em janeiro entre a Hitachi Consulting e a Hitachi Vantara, é uma das empresas japonesas a operar em Portugal que pretendem criar novos postos de trabalho por cá. Atualmente, a empresa de tecnologias de informação tem 320 colaboradores, mas até ao final do próximo ano fiscal, que termina em março de 2021, quer atingir as 400 pessoas.
Margarida Marques, vice-presidente da Hitachi Vantara, reconhece que há diferenças entre as formas de trabalhar dos dois povos, mas que a colaboração tem tido frutos positivos. “Os portugueses estão mais habituados a uma política de “desenrasque”, somos melhores em resolver situações inesperadas e não temos tanto a característica de forte planeamento. Acabamos se calhar por ter de trabalhar mais horas para chegar aos mesmos níveis de produtividade dos japoneses, porque eles têm um foco diferente, são muito mais estruturados no trabalho, mas acho que no fim acaba por compensar bastante. Somos diferentes, mas também somos muito complementares, na realidade.”
“Portugal dentro da Hitachi é uma localização de prestígio”, indica a responsável da empresa. “A operação da Hitachi em Portugal tem um enormíssimo reconhecimento pela excelência do trabalho desenvolvido e pelas pessoas que temos”, indicando que “um dos principais fatores da aposta da Hitachi em Portugal é claramente o talento”. A juntar a isto, existem ainda benefícios como a localização, baixo custo de vida em comparação com outras localizações ou redução de custos, uma “questão simpática” para a casa-mãe. Mas, para Margarida Marques, as capacidades de os portugueses se “adaptarem à forma dos japoneses e de criar facilmente equipas de trabalho eficientes” é um ponto de destaque. “Hoje em dia, na Hitachi, na opção de termos cá operações e equipas técnicas a primeira razão não é uma questão de custos, mas sim uma questão de excelência.”
Também há muito que a Konica Minolta, dedicada à área das soluções de impressão, descobriu Portugal. Vasco Falcão, diretor-geral da Konica Minolta para Portugal e Espanha, reconhece que as diferenças culturais são notórias, mas que um pouco de jogo de cintura pode resultar em aprendizagens benéficas para os dois lados. “Nove horas de diferença entre Lisboa e Tóquio não são muito quando comparamos com as diferenças de cultura. Há alguma necessidade de adaptação”, explica o responsável. “Do Japão nunca receberemos uma ordem direta, pois seria considerado rude. Os japoneses costumam ser muito subtis quando expressam a sua opinião. São perfeccionistas, gostam de ser consistentes na tomada de decisões e minimizar os erros. Como se pode imaginar, adicionar algumas destas características à nossa cultura permite-nos ser mais fortes.”
Da operação japonesa, a empresa de soluções de impressão adaptou outras características ao contexto empresarial português. “Começamos por considerar que trabalhar não é apenas uma troca de tempo por dinheiro”, avança Vasco Falcão. “O primeiro passo para uma alta produtividade é um recrutamento e uma seleção muito rigorosos, bem como a utilização de tecnologia que permita ampliar a nossa produtividade. Tendo sempre presente a ética e que o ganho económico vem depois de o termos ganho com trabalho.”
Por fim, a companhia adaptou um conceito de corporate family, “emprestado” da cultura japonesa, em que as empresas são bastante valorizadas. “É algo pouco comum em Portugal, mas que nós adotamos. Este conceito a que chamamos família KM possibilita criar um ambiente de muita confiança que permite a cada um estar confortável, feliz no seu trabalho e a sentir que faz parte de algo maior.”
Com 224 colaboradores em Portugal – alguns deles com 25 anos de casa – distribuídos pelos escritórios de Lisboa, Porto, Coimbra e Faro, a Konica Minolta não fecha a porta às contratações por cá, ao longo dos próximos tempos. “Para 2020, face ao plano estratégico para Portugal, que inclui uma forte aposta nos mercados de impressão industrial e de serviços de tecnologia – em resposta à transformação digital nos locais de trabalho -, é expectável que a equipa da Konica Minolta venha a ser reforçada ao longo dos próximos meses.”
Fonte: Diário de Notícias