Do trabalho remoto à liderança, o que pensam os Big4 do recrutamento?
Gestores da Michael Page, Korn Ferry, Boyden e Randstad partilham práticas e tendências na área dos recursos humanos, numa fase de escassez de talento e emergência de novos modelos de trabalho.
Trabalho remoto, flexibilidade contratual, nos horários e nas funções, oportunidades de carreira a partir de Portugal, atração de talento estrangeiro e quadros internacionais de topo, política de progressão salarial, estilo de liderança, semana de quatro dias de trabalho, limitações femininas nos processos de recrutamento; ou diversidade, equidade e inclusão nas organizações.
Estes foram alguns dos temas fortes abordados pelos líderes de quatro multinacionais da área dos recursos humanos em Portugal — Álvaro Fernández (Michael Page), Mariana Branquinho (Korn Ferry), Luís Melo (Boyden) e José Miguel Leonardo (Randstad) – num fórum moderado por Isabel Barros (Sonae MC) e que teve como ponto de partida as dinâmicas no mercado laboral no pós-pandemia. Editado em discurso direto pelo ECO/Pessoas, a partir das intervenções na QSP Summit, realizada na Exponor (Matosinhos).
Álvaro Fernández, diretor-geral da Michael Page
Entrevistamos milhares de pessoas todos os anos e houve uma grande mudança com a pandemia. O primeiro impacto foi quando fomos todos para casa. Juntou-se o ‘fator medo’ — o que vai acontecer à minha vida e à minha família –- ao fator ‘tempo para pensar a vida’, e muitas pessoas deram-se conta de que o que estavam a fazer não era o que realmente gostavam. Houve um pico de great resignation, que se sentiu mais nos EUA do que na Europa, mas foi momentâneo. O que realmente fica, o que é estrutural, é, em primeiro lugar, uma maior necessidade de flexibilidade por parte das pessoas. Nas entrevistas que fiz em 2019 ninguém me perguntou sobre a possibilidade de fazer home office; naquelas que fiz em 2022 todos me perguntaram qual o modelo. 80% das pessoas querem um modelo híbrido, enquanto as outras 20% estão repartidas entre os extremos: ou tudo em casa ou tudo no escritório.
A segunda coisa que mudou foi que, neste tempo de home office, as pessoas têm perdido um pouco o vínculo emocional com as empresas, com os projetos e também com os colegas de trabalho e as equipas. Este desligamento está a aumentar a rotação de pessoas em Portugal. De forma constante, há mais saídas do que havia antes. É algo que nós, como empresários e diretores, temos de trabalhar. Como encontramos um modelo que seja híbrido e mantenha essa flexibilidade, com empresas que tenham ADN, dias para socializar e que voltem a sentir as equipas e o vínculo emocional.
Algumas pessoas estão a pensar na flexibilidade como um benefício. E a flexibilidade não é um benefício, mas uma forma de trabalho diferente. As pessoas a quem se oferece flexibilidade para trabalhar a partir de casa ou metade do tempo em casa não estão a deixar de trabalhar, não passam a ter um benefício que outros não podem ter, mas simplesmente estão a fazer uma escolha que é boa para eles e para a empresa. Tem de ser win-win. E há que assumir que há funções que não podem ser feitas com esta maior flexibilidade. A essas pessoas pode ser dada a oportunidade de se requalificarem, de fazer upskilling para conseguirem mudar dentro da organização e alcançar um tipo de função que permita essa flexibilidade.
Temos trabalhado muito em projetos com multinacionais, sobretudo no Porto e em Lisboa, que estão a concentrar aqui as suas estruturas financeiras, de recursos humanos, de engenharia ou de tecnologias. O mercado português pode parecer pequeno, mas com a realidade destes hubs, um profissional com competências técnicos e de línguas pode ter aqui a oportunidade de chegar muito mais alto do que antes se pensava. Até mais do que em Espanha, por exemplo, que não tem tantos hubs deste género. É uma oportunidade impressionante para pessoas que estão à procura de projetos e que podem chegar a responsáveis a nível europeu ou mundial numa área concreta, a partir de Portugal.
Mariana Branquinho, co-managing director da Korn Ferry em Portugal
Está a mudar aquilo que as pessoas valorizam quando trocam de trabalho. As empresas ainda não descobriram o modelo ideal, estão a testar e a apalpar terreno. Têm vindo informalmente a assumir um modelo, mas não se querem ainda comprometer daqui para a frente. E isto também varia muito com as funções, com o perfil das pessoas – umas adaptam-se melhor do que outras a trabalhar mais em casa, outras sentem falta do escritório. Mas é certo que passou a ser mais um elemento da proposta de valor, é mais uma pergunta que nos fazem. Ainda temos em Portugal uma percentagem grande de empresas muito conservadoras. Tenho muitos executivos que me dizem: ‘esqueça lá isso do trabalho em casa, quero é as pessoas todas aqui’.
Nas funções tecnológicas, em que o mercado está altamente aquecido –- e fala-se muito em ir buscar talento fora de Portugal –, a primeira pergunta que os candidatos fazem é se podem trabalhar a partir de casa. E se dizemos que não ou que ‘sim, mas’, desligam o telefone, já não querem falar mais. No caso dos executivos e de cargos mais seniores, preocupam-se mais em saber se essa é uma possibilidade. Não é tanto para eles, mas para perceberem um bocadinho a cultura da organização. Porque se for rígida ao ponto de dizer que toda a gente tem de estar presencial e nas instalações, isso também é revelador sobre a própria empresa.
Portugal pode atrair mais talento no mercado global. Pela experiência que tenho –- e estou centrada em funções seniores e executivas — não acho que tenha tanto a ver com os modelos mais híbridos. Portugal é um país espetacular para viver, os estrangeiros que vêm para cá, gostam tanto que depois não querem sair ou ficam com uma ligação forte. Outra coisa boa: somos um país na Europa, relativamente pequeno e que funciona bem como teste, um laboratório, uma experiência. É um bom mercado para experimentar pessoas que assumem uma função de diretor geral pela primeira vez porque é parecido como o resto da Europa, mas relativamente pequeno. Se não correr bem está limitado o estrago; se correr bem, está pronta para desafios maiores.
Do ponto de vista competitivo, os nossos salários são mais baixos do que em outras geografias europeias e não temos escala. Há setores com dois operadores no mercado e, se não queremos ir buscar essas pessoas à concorrência direta, temos de ir fora. Há sempre esse dilema: como tornar a função interessante para que alguém em Espanha, por exemplo, queira vir. Temos de trabalhar o nível de responsabilidade, desafio e projeto a oferecer. Por que é que uma pessoa que está num mercado maior, mais dinâmico e competitivo, há de vir para cá? Podemos oferecer uma promoção, a oportunidade de participar num projeto que, de outra maneira, não teria tão rápido. Aí pode privilegiar essa experiência e acrescentar uma linha ao currículo, em detrimento de uma compensação financeira mais interessante.
Em geral, as mulheres são muito mais receosas nos processos de recrutamento e preocupam-se com ‘será que tenho as competências e serei capaz?’. Hesitam imenso durante o processo. É importante fazer coaching para tirar essas dúvidas. Temos pouca cultura de feedback e de meritocracia dentro das organizações, portanto, as decisões são pouco transparentes, não se sabe por que uma pessoa foi promovida em detrimento de outra. As mulheres têm dificuldade em dizer ‘eu também quero’. Em momentos críticos isso funciona contra elas. O papel do recrutador é desafiá-las: ‘por que acha que não é capaz? Qual a sua dúvida?’. Porque, no fundo, a matéria-prima está lá. E quando avançam, muitas vezes têm resultados espetaculares. Ultrapassam essa falta de autoconfiança com estudo e preparação. Como têm estes dilemas existenciais, para se sentirem confortáveis investem muito mais e acabam por ter resultados positivos.
Luís Melo, managing partner da Boyden Portugal
As empresas que fazem uma boa jornada em termos daquilo que é a diversidade, equidade e inclusão têm melhores resultados, são mais criativas e inovadoras, têm mais capacidade de atrair e reter talento jovem. Neste contexto de escassez e guerra pelo talento, temos pessoas mais afirmativas. Nas entrevistas, cada vez mais me perguntam que cultura organizacional tem a empresa, que importância dá a determinadas coisas. Querem trabalhar em empresas com um propósito. Isso quer dizer que aquelas que não o fizerem vão ficar para trás. Idealmente deviam fazê-lo por vontade própria, mas em último cenário, se o fizerem para não ficarem menos competitivas, isso já é bom.
As empresas não podem trabalhar só na questão da diversidade, que é só parte do tema e o mais fácil — paridade de género, diferenças etárias, pessoas estrangeiras, com diferentes credos. Mas isso não significa uma organização inclusiva. Dou o exemplo das crianças que sofrem de bullying na escola. Na pandemia, vimos que eram mais felizes a ter aulas online e foi uma chatice quando tiveram de voltar à escola. O mesmo se pode passar com pessoas de minorias, que se sentem bem a partir de casa porque não têm de ir ao local de trabalho, que para elas é um ambiente hostil.
Como estamos em Portugal? Uma coisa são a Sonae, EDP, Galp, JM e outras grandes, que estão na jornada da diversidade, equidade e inclusão. Mas a maioria do nosso tecido empresarial são micro e PME e para essas o tema não está na agenda e não é uma preocupação. Não é que não achem as questões importantes, mas faltam recursos para trabalhar. Na hotelaria, restauração ou agricultura, a preocupação dos empresários é ter os recursos para entregar aquilo que é suposto.
Em termos racionais, a semana de 4 dias de trabalho não devia acontecer. Eu também queria trabalhar quatro dias [risos]. Se a nossa produtividade ainda está longe de países com que nos podemos comparar — quanto mais com as grandes economias –, o que devemos fazer, em termos nacionais, é quando esses países concorrentes tiverem os quatro dias, nós trabalharmos os cinco dias para compensar. A nossa economia não esta preparada para isso. O efeito de subir salários e reduzir o tempo de trabalho teria um impacto enorme. Se a medida for implementada será por uma questão popular. E se for, acredito que será fundamentalmente para a Função Pública, pois devemos ser o único país do mundo que tem 35 horas semanais para os funcionários do Estado e 40 horas para os do privado.
José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal
Teoricamente, a semana de quatro dias favoreceria a produtividade, com menos tempo e o mesmo output. Depois na prática não seria bem assim. O verdadeiro problema da economia portuguesa é que tem pouquíssimos setores de valor acrescentado. A generalidade das empresas vem instalar-se em Portugal por ter mão de obra mais barata. Os centros de serviços partilhados centralizam operações na área contabilística, por exemplo, com centenas de pessoas. Não é um trabalho menor, mas é de escasso valor acrescentado. Recrutam-se licenciados em Finanças ou Gestão para ganhar salários indexados ao salário mínimo. Fez parte do modelo de negócio que os trouxe para cá. É melhor do que nada, mas não é o que precisamos verdadeiramente. Enquanto não tivermos uma economia que produz bens e serviços de valor acrescentado, a nossa produtividade vai ser escassa e isso não permite pagar salários muito elevados porque pode inviabilizar o futuro dessa organização.
Quando falamos de flexibilidade começamos logo a pensar no teletrabalho, palavra que abomino. É muito mais do que isso. Além do local de onde se trabalha, tem a ver com flexibilidade de horários, contratuais e de funções. E é isto que procuram tanto o empregador como os indivíduos que apreciam a flexibilidade. Ambicionam mais do que trabalho remoto; terem uma variedade de experiências e funções dentro da organização que possam garantir aprendizagem. Mas isto é um desafio, sobretudo, para as lideranças que, em geral, não estão preparadas para dar este voto de confiança, suspeitam que as pessoas, se não estão ali ao lado, não estão a produzir. Isto é arcaico, para não utilizar outro adjetivo mais duro.
Mas há a outra face: temos de lhes dar também responsabilidade e não apenas liberdade. E as pessoas têm de sentir isso. Tem de haver um extraordinário rigor e disciplina naquilo que fazem –- e depois no comprometimento com a organização. Caso contrário, não funciona. Nestes anos de pandemia, as organizações foram obrigadas as confiar e a resposta foi muito positiva. Obviamente, os shots de adrenalina não duram sempre e trazem cansaço e desgaste. Mas as lideranças têm de ser capazes de exercer a sua função primária: humanizar as organizações. Ter um líder que, em vez de saber todas as respostas, faz as perguntas mais adequadas e está atento para desbloquear, alisar o terreno e criar condições para que as pessoas possam ser felizes.
Sou um ex-emigrante, vivi 14 anos fora do país, trabalhando em multinacionais, e sei que somos os piores críticos –- e até com uma crítica ácida — relativamente a nós próprios. Portugal é uma marca fortíssima. É um país seguro, tem gente agradável e bem preparada, infraestruturas bem desenvolvidas, clima ameno, boa comida. Para quem tem rendimentos de médio e alto nível, superiores aos nossos, somos até um país barato. Portanto, a confluência de todos estes fatores ajuda a vender Portugal.
Antes da pandemia lançámos o tema da marca Portugal enquanto destino laboral porque já nessa fase havia escassez de pessoas para determinadas funções. É um destino magnífico, às vezes é a nossa mentalidade que nos atrasa. Esta excessiva fixação nos mínimos prejudica-nos. Nada contra os aumentos do salário mínimo, pelo contrário. Defendo que os salários têm de subir, mas enquanto o mínimo subiu mais de 40%, o médio só subiu 14%. Ou seja, há um achatamento salarial. Os empresários e gestores portugueses não são loucos, não pagam salários baixos só porque sim. Mas esta é uma realidade.