Opinião

A década do clima

Por várias razões sou tentado a colocar o tema mais do lado da consciencialização individual, quer nos hábitos de consumo, quer no nosso contributo para a tomada de decisões nas organizações.

Começo por fazer uma declaração de princípio cujo objetivo é “desambiguar” o entendimento sobre o início da década. Para mim, a década de 20 começa agora, apesar de alguns entenderem que terá o seu início daqui a um ano. E, se há um século se iniciaram os “loucos” anos 20, nos nossos dias essa “loucura” é mais séria e remete-nos para a necessidade de um compromisso sério entre a humanidade e o planeta.

Nunca antes o tema do clima e da sustentabilidade estiveram tão na ordem do dia. Isto acontece porque houve um aumento significativo da consciencialização sobre os efeitos das alterações climáticas, ou pela incontornável agenda política da atualidade, ou pelas piores razões das consequências que as mesmas provocam nas populações, nas suas vidas e nas suas atividades económicas.

De uma coisa temos a certeza: há evidências claras da contribuição da atividade humana para o desequilíbrio dos ecossistemas. E o princípio do poluidor-pagador está longe de ser eficaz. O desequilíbrio ambiental não conhece fronteiras. Pode identificar autores, mas nem sempre esses são os prejudicados. Uma espécie de bumerangue, mas cujo retorno da ação de o lançar não é previsível, pois nem sempre volta à mão que o lançou.

Aqui reside o desafio da década. Os nossos antepassados bem sabiam que um curso de água que passasse por uma propriedade implicava um compromisso e respeito comunitários uma vez que esse recurso não conhece propriedade. O mesmo se passa com os oceanos e com o ar que respiramos. Não são de ninguém, mas são de todos. São recursos globais. Esse desafio porá a humanidade à prova. O conceito de posse territorial, na forma de região ou Estado, é demasiado ultrapassado e ineficaz para solucionar o problema que se adensa. E o relógio das alterações climáticas não apresenta evidências de abrandar. Pelo contrário.

As decisões políticas sobre a “descarbonização” do ambiente intensificar-se-ão. Mas a um ritmo que poderá não acompanhar as necessidades da natureza. São disso exemplo as medidas tomadas pela União Europeia, com regulamentação restritiva orientada aos fabricantes da indústria automóvel. O Regulamento Europeu 2019/631, aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho no passado mês de abril vem fixar em 95 gramas por quilómetro o nível máximo admissível de emissão de CO2 por viatura ligeira. Medida que entrou em vigor no dia 1 de janeiro.

Mas a forma como são impostas estas regras têm um efeito muito diluído no tempo, com um ajustamento lento no comportamento dos consumidores e nos fabricantes. Na prática, os fabricantes têm um ano para se ajustar a esta medida, os valores-limite de emissões são uma média do total das unidades fabricadas, e veículos com emissões superiores fabricados nos anos anteriores poderão continuar a circular. Ou seja, na prática, a urgência das medidas tende a ser muito pouco sentida.

Por estes e por outros exemplos, sou tentado a colocar o tema mais do lado da consciencialização individual, quer nos hábitos de consumo, quer no nosso contributo para a tomada de decisões nas organizações. Por exemplo, no sistema financeiro começa a fazer caminho a tendência para a inclusão dos temas ambientais na decisão e gestão do risco de crédito. Porque efetivamente, uma empresa, na sua atividade, pode estar mais ou menos exposta a riscos de incumprimento consoante o impacto que a sua laboração tem no ambiente. E não apenas na sua atividade direta, mas na cadeia de valor em que se insere, a montante e a jusante.

Dir-se-á que não se anda mais depressa em consciência pelos efeitos económicos negativos que medidas abruptas provocariam na economia. Mas, todos os dias nos chegam sinais que as catástrofes naturais poderão ter efeitos negativos de grande monta no sistema económico por nós concebido. Será que o clima espera?

Fonte: Jornal Económico

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