Ceiia. “Temos de criar condições para, até surgir a vacina, manter as empresas”
Fundador e CEO do Ceiia analisa a situação das empresas em Portugal e como pode ser a saída da crise.
O CEiiA está a produzir ventiladores para hospitais portugueses. Quantos prevê fabricar?
O plano do CEiiA (Centro de Excelência para a Inovação da Indústria Automóvel) prevê o desenvolvimento e a produção de cem ventiladores de uma primeira versão do produto para a utilização em ambiente hospitalar já em maio. Depois, prevemos mais 400 unidades, ainda no CEiiA, com o envolvimento da indústria. Estas duas fases respondem ao procedimento nacional definido pelo Infarmed para a disponibilização de ventiladores ao SNS no contexto da covid-19. Depois prevemos a externalização da produção, que permitirá às empresas portuguesas acederem aos mercados internacionais. Estima-se que se atinjam as dez mil unidades neste ano.
Foi um pedido do governo ou iniciativa de parceiros privados?
A ideia de desenvolver o Atena surgiu nas sessões de trabalho internas “Intuir o Futuro”. Ocorrem de seis em seis meses e, com base em informação limitada, projetamos tendências. Foi deste tipo de trabalho que há 14 anos projetámos a mobilidade elétrica ou a urban air mobility. Nestas sessões identificamos uma tendência que possa gerar uma nova oportunidade para o desenvolvimento de um produto e/ou serviço. A partir daí, construímos cenários e planos de desenvolvimento e de ação. Agora tínhamos por base uma ameaça associada; por um lado, a escassez de ventiladores invasivos no mercado internacional, por outro, a dependência das cadeias de fornecimento centradas na China. Considerámos que, sendo um projeto de risco muito elevado, justificava o nosso envolvimento e compromisso. Criámos uma task force interna e realocámos 106 engenheiros a outros projetos que passaram a não ser críticos devido à pandemia.
Que entidades colaboram nesta produção de ventiladores?
O apoio dos primeiros mecenas que acreditaram na importância do projeto, como a EDP, a Fundação La Caixa/BPI, a REN, Gulbenkian, a Família Américo Amorim, e outros que nos solicitaram anonimato, foi determinante para acelerar a fase de desenvolvimento de produto e assegurar a produção de 100 ventiladores. Para além deste apoio, temos tido outros igualmente determinantes para o desenvolvimento deste projeto, como seja o apoio da SONAE que disponibilizou a sua central de compras para trabalhar connosco no sourcing de componentes, a EFACEC e a Medinfar na produtização, bem como alguns fornecedores que têm cedido a título gratuito equipamento de teste e dado apoio à produção. Sem esquecer o envolvimento crucial das universidades, em particular da Universidade do Minho.
Algumas destas inovações vão mudar o tecido empresarial? Como se estimula a inovação nas empresas em tempo de crise?
Perante esta pandemia não será possível estar no futuro se não se ganhar o presente. É uma crise social que gera uma crise económica e global e que alterará, substancialmente, as estruturas industriais. Esta primeira fase é de adaptação e as empresas valorizam as suas capacidades em resposta a uma necessidade, assegurando o presente pela forma como conseguem inovar e adaptar os seus processos. Numa segunda fase teremos uma coexistência de tendências entre o pré e o pós-covid, o que irá implicar alterações substanciais no tecido empresarial. Como nos modelos sharing e no surgimento de novos modelos de distribuição em que o comércio eletrónico será a base dos novos canais de distribuição. Nesta segunda fase, assistiremos à emergência dos mercados de proximidade e à valorização das cadeias de fornecimento locais. A dimensão “sustentabilidade” fará parte das nossas escolhas enquanto consumidores e enquanto indústria. Numa terceira fase pós-covid, surgirão os novos champions a nível local, nacional e internacional em várias indústrias: desde o automóvel aos dispositivos médicos, tendo como base a valorização das cadeias de fornecimento locais, o que irá levar a novos modelos de industrialização e às escolhas dos consumidores em função da segurança e da sustentabilidade. O CEiiA não inovou no seu modelo de negócio, mas usou-o para poder responder ao presente. Projetámos o futuro em função da trajetória de evolução marcada pelas três fases que referi. O projeto Atena é um exemplo do nosso modelo de atuação. Mas estamos a trabalhar em novos projetos de mobilidade, como um novo veículo que responde a novas tendências marcadas pelo transporte individual de baixo custo, com reduzido nível de emissões e assente em cadeias de fornecimento de proximidade.
O CEiiA é um player importante na área da mobilidade. O isolamento e distanciamento poderá atrasar a evolução do paradigma da mobilidade? Serão adiados alguns investimentos nessa área?
Desta crise saem dois aspetos fundamentais que põem em causa as tendências seguidas até aqui: a comunidade e o distanciamento social. Estes dois vetores desviam a trajetória que vinha a ser seguida e o conceito de partilha ganha um novo significado. Não podemos afirmar se atrasa a evolução do paradigma da mobilidade, mas vamos assistir a novas formas de viver em sociedade, viradas para a família e para a comunidade local. E a mobilidade não está apenas associada ao transporte de pessoas, mas também de mercadorias. Vamos assistir no futuro próximo a novas formas de entregas que combinam a mobilidade horizontal com a vertical. A nova mobilidade resultará da forma como combinarmos e otimizarmos a integração da mobilidade física e digital com a dimensão da sustentabilidade. Daqui surgirão novos modelos de negócio. Como poder comprar o meu veículo elétrico e pagá-lo, mensalmente, na fatura de energia ou de comunicações.
É importante a economia portuguesa ficar menos dependente da China? E como fazê-lo, com estímulos à indústria nacional?
É importante que a economia portuguesa seja independente do exterior, incluindo da China. Muita da indústria fora de Lisboa e do Porto continua a laborar. É um país a duas velocidades? É natural que o comércio, os serviços e mesmo a indústria, considerados essenciais, se mantenham a laborar e que em algumas regiões se possa assistir a um maior dinamismo, devido ao efeito de proximidade dessas empresas.
Esta semana, 159 personalidades pediram ao governo o relançamento da economia e o levantamento de restrições. Concorda ou será cedo demais?
Concordo. Temos de aprender a integrar estes novos contextos no nosso quotidiano. Empresas e organizações devem adaptar-se e o Serviço Nacional de Saúde tem de ter capacidade para lidar com todas as situações graves no presente. Nesta primeira fase teremos de aprender a gerir o desequilíbrio social a que estamos expostos, preservando o valor da vida. Temos de criar condições para, até surgir uma vacina e ao início de um novo ciclo, conseguirmos manter as nossas empresas em atividade para serem protagonistas da alavancagem económica.
O ministro das Finanças disse que o PIB pode cair 10% neste ano. São declarações otimistas, pessimistas ou realistas? Como antevê que a perda de riqueza nacional afete as empresas e o próprio emprego?
Não temos informação que contradiga a projeção dos 10%, que parece preocupantemente realista. Implicará o desaparecimento de atividades económicas que eram geradoras de emprego, a retoma tardia em alguns setores críticos, como o turismo, e, consequentemente, desemprego. Será necessário reinventarmo-nos com foco na seletividade em investimentos que, numa primeira fase, assegurem a manutenção ou criação de postos de trabalho. Teremos de ser céleres neste processo de mutação económica para que a contração da economia não implique novo ciclo de austeridade.
Em tempos de crise prepara-se a retoma. Como está o CEiiA a preparar o pós-crise? E que medida sugere ao governo para ajudar as empresas?
O CEiiA está a assegurar o presente com o desenvolvimento de novos produtos e serviços que permitam, no pós-crise, ter escala em mercados de expansão e fazê-lo sempre juntamente com empresas que possam liderar cadeias de fornecimento de base nacional. Em alguns setores poderemos evoluir de um país que produz componentes para um país que consiga produzir e transacionar produtos completos. E colocámos em pausa alguns projetos. O CEiiA está a preparar um documento com reflexões e sugestões para uma retoma sob o desígnio da sustentabilidade e, se for do interesse do governo e das empresas, poderá disponibilizá-lo.
Fonte: Dinheiro Vivo