Há mais duas greves a atracar nos portos portugueses em fevereiro
Depois dos estivadores de Setúbal são os trabalhadores das administrações portuárias a presentar um pré-aviso para as próximas semanas. E há mais uma braço-de-ferro para resolver em Lisboa
Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias apresentou quinta-feira um pré-aviso de greve de seis dias em todos os portos nacionais, dividido em dois períodos, de 14 a 16 de fevereiro e de 19 a 21 do mesmo mês.
Em causa, está um caderno de reivindicações que abarca questões como a atualização de um euro no subsídio de refeição, mas também o processo de reforma/aposentação antecipada previsto no Acordo Coletivo de Trabalho em vigor.
Em março do ano passado, este sindicato, com cerca de 900 sócios, já tinha apresentado um pré-aviso de greve de 4 dias, de 11 a 14 de abril, que acabou por ser levantado. Na altura, Serafim Gomes, vice-presidente do SNTAP, disse ao Expresso que algumas adesões estratégicas seriam suficientes para parar os portos nacionais. “Na última greve deste sindicato, em março, a paragem dos dois operacionais que levam os pilotos a bordo e fazem a amarração foi suficiente para parar o Porto de Viana do Castelo”, afirmou então o dirigente sindical.
Mas ainda antes dos trabalhadores das administrações portuárias fazerem greve, entram em cena os estivadores de Setúbal, já na próxima segunda-feira. O SEAL – Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística convocou uma greve ao trabalho extraordinário de 3 e 17 de fevereiro, na empresa de estiva Sadoport.
Depois da greve contra o trabalho precário dos estivadores que paralisou Setúbal entre 5 de novembro e 15 de dezembro de 2018, deixou em terra milhares de carros da Autoeuropa e fez tremer as exportações nacionais, o SEAL teve em cima da mesa um pré-aviso para Setúbal no final de 2019, denunciando “provocações” e “incumprimentos” por parte das empresas do universo Yilport, o grupo turco que lidera a atividade portuária em Portugal.
O SEAL falou, então, de “desprezo da Yilport pelos Acordos e Contratos Coletivos” e de contratação de trabalhadores estranhos ao efetivo dos portos.
Na altura, a greve não avançou, mas agora Ylport e Seal parecem decididos a manter o braço de ferro até ao fim. Fica,no entanto, garantida a atividade da Autoeuropa, através da Navipor, uma vez que esta greve é apenas sobre o trabalho suplementar na empresa de estiva Sadoport, podendo vir a abranger os estivadores de Lisboa se houver desvio de cargas.
HÁ VIOLAÇÃO DO CCT, DIZ SEAL.
A fundamentar o pré-aviso, o Seal refere que a Operestiva, uma empresa ligada aos turcos da Yilport, está a violar o Contrato Coletivo de Trabalho em vigor, designadamente no que respeita às regras de prioridade na distribuição de trabalho suplementar pelos estivadores.
Diogo Marecos, administrador do grupo Yilport, defende que a colocação de trabalhadores tem de ser uma competência da empresa e não de um sindicato. Nesse sentido, o grupo decidiu levar a questão a tribunal em outubro, para “deixar claro quem tem direito a contratar e a escolher quem contrata quando é preciso trabalho suplementar”.
Questionado pelo Expresso sobre a razão que levou o grupo a aceitar um Contrato Coletivo de Trabalho que depois contesta judicialmente e decide não cumprir ainda antes da decisão do tribunal, Diogo Marecos respondeu, por escrito, que “Nem a Operestiva, nem a Sadoport assinaram o CCT com o Sindicato Seal”
O CCT foi assinado pela Associação de Empregadores, a ANESUL, que aquelas duas empresas integravam. “Ambas as empresas expressaram por várias vezes (verbalmente e por escrito) quer ao mediador, quer à ANESUL, quer aos demais operadores de Setubal, que não iriam aceitar regras de colocação”, mas apenas tiveram conhecimento de que o contrato foi assinado, “ à revelia na matéria de regras de colocação do que havia sido transmitido, na tarde seguinte à assinatura efectuada pela ANESUL”, explica.
Assim, “uma hora após tomar conhecimento – e antes do documento ser aprovado internamente pela Direcção da ANESUL – quer a Operestiva, quer a Sadoport abandonaram a ANESUL”, acrescenta.
E a mostrar que há mais frentes de tensão entre a Yilport e o Seal, já em cima do pré-aviso de greve em Setúbal, a Associação – Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa (A-ETPL) desafiou na semana passada este sindicato a aceitar uma redução salarial de 15% e a eliminar as progressões de carreira automática, apontando o exemplo de Vigo onde os estivadores aceitaram baixar os ordenados até 15% em 2019.
A fundamentar esta proposta, a A-ETPL que tem sete empresas de estiva associadas, seis das quais afetas aos dois maiores grupos económicos do Porto de Lisboa – Yilport (3) e ETE (3) – alega a situação difícil da empresa, “à beira da falência técnica”, depois de fechar 2019 com um prejuízo de meio milhão de euros, adiantou Diogo Marecos ao Expresso.
E HÁ ACUSAÇÕES DE “GESTÃO DANOSA” EM LISBOA
Na carta em que propõe a redução salarial aos trabalhadores, a A –AETPL fala da necessidade de “medidas urgentes para que a sua sustentabilidade volte a ter lugar”. “Entre estas medidas apenas a diminuição de gastos com pessoal pode procurar assegurar tal sustentabilidade, o que pode ser feito através de um corte dos postos de trabalho, bem como com a diminuição da massa salarial”, refere.
A proposta da A-ETPL surge como resposta a uma carta do SEAL, de 21 de janeiro de 2020, em que o sindicato propunha uma atualização dos preços da mão-de-obra para acabar como os sucessivos atrasos no pagamento de salários, dado que nos últimos 16 meses os estivadores do Porto de Lisboa receberam os salários repartidos por um total de 46 prestações. Mas, diz o sindicato esta é “uma comunicação alegadamente elaborada pela A-ETPL”, uma vez que não foi subscrita por nenhum membro da Direção da empresa.
O sindicato não tem dúvidas de que “A A-ETPL tem sido objeto de uma gestão ao longo dos anos (…) subsumível no conceito de “gestão danosa”, sendo agora claro que o trabalho prestado pelos trabalhadores da AETPL – que há 17 meses que têm salários em atraso, por não serem pagos atempadamente – tem servido para as empresas tirarem benefícios financeiros diretos, sem que estas suportem os custos reais de tal trabalho”.
Assim, o SEAL, mandatou o seu departamento jurídico para acionar as empresas por valores em dívida aos trabalhadores que, só no Porto de Lisboa, atingem vários milhões de euros e vai estudar a possibilidade de accionar, civil e criminalmente, os membros da Direção da AETPL e os sócios/únicos clientes da mesma. Porquê? “pelo facto de terem permitido que esta os beneficiasse enquanto obteve lucros e que agora não estão na disposição de repor o seu equilíbrio financeiro através do pagamento dos custos reais do trabalho que lhes é prestado pelos trabalhadores da A-ETPL”.
Fonte: Expresso