Nova era das fábricas automóveis pode chegar a Portugal com a Renault
Lançada originalmente na localidade francesa de Flins, a Refactory foi criada pela Renault com o intuito de criar novos polos industriais em que a economia circular seja valorizada, tendo não só uma vertente de renovação de automóveis em segunda mão com o mesmo cuidado de um novo, como também uma maior atenção à áreas como a reciclagem, reutilização e conversão de automóveis para a eletrificação e hidrogénio. A fábrica de Cacia, em Aveiro, está na calha para abraçar o conceito Refactory, embora ainda não exista uma confirmação oficial.
Mais do que uma fábrica tradicional de produção de automóveis, a Refactory de Flins é, acima de tudo, um polo de diversas competências que se cruzam entre si com o intuito de tornar a mobilidade mais sustentada em todas as suas áreas. Com o final da produção de automóveis à vista na fábrica de Flins, este foi o local escolhido para albergar um novo conceito em torno dos automóveis, dedicado exclusivamente à economia circular.
Para o efeito, conta com quatro ‘R’ e quatro pilares fundamentais: ‘Retrofit’, ‘Restart’, Reenergy’ e ‘Recycle’, sendo cada um destes diferente nos seus propósitos. O primeiro, o ‘retrofit’, passa por estender o ciclo de vida dos automóveis, embora conte com dois projetos atualmente em aplicação. O primeiro passa por renovar e requalificar automóveis em segunda mão pelos padrões de um automóvel novo em diversos parâmetros, dando assim maior segurança ao comprador. Inaugurado em setembro de 2021, leva já mais de 12 mil automóveis trabalhados. O outro projeto desta área é o de conversão de veículos comerciais ligeiros (VCL) para motorização elétrica, em colaboração com a Phoenix Mobility, antevendo a previsível mudança de paradigma na mobilidade de comerciais dentro dos centros urbanos.
A ‘Reenergy’ procura soluções para a produção, armazenamento e gestão de energias verdes, como a reutilização de baterias dos automóveis elétricos para uma segunda vida, servindo para diversos âmbitos. A este respeito, um dos exemplos é o de um gerador elétrico portátil e multifacetado, denominado ‘Betterpack’, que recorre a baterias usadas dos modelos Fluence e Kangoo. Esta fonte de energia móvel é também modular, podendo ser reforçada com outras baterias para aumentar a sua capacidade e é um exemplo da aplicação de conhecimentos na área de reaproveitamento das baterias. Cada bateria reaproveitada tem de ter, pelo menos, 70% da sua capacidade intacta face à altura em que era nova.
Noutro nível, há um sistema avançado de armazenamento de baterias em França, com diversas baterias guardadas em contentores para uma capacidade energética de 1 MWh por cada contentor. Dispondo de 15 contentores, a Renault adianta que consegue fornecer 15 MWh à rede elétrica nacional, ajudando-a assim a estabilizar nos períodos de maior procura energética.
A ‘Recycle’ prevê a transferência de ferramentas e reutilização de peças, componentes e maquinaria para Flins, onde poderão ser utilizador para novos fins, além de serem também utilizados diversos componentes para reciclagem, como catalisadores e para-choques, criando novas partes oriundas de reciclagem.
Por fim, o quarto pilar, o ‘Restart’ pretende ser um centro de inovação de indústria, tendo aí concentrados todos os processos de engenharia que estavam concentrados na área de Paris. Nesta vertente, são convertidos robôs para novas utilizações e há ainda uma grande capacidade para a produção aditiva com recurso a impressoras 3D para dar origem a partes e maquetas em 3D de automóveis. De acordo com a Renault, já foram produzidas mais de 24 mil peças com recurso à técnica de impressão 3D. Porém, outra vertente fundamental é a de requalificação dos trabalhadores através de um campus de aprendizagem para novas tarefas, tendo sido já treinados cerca de 300 funcionários, num esforço feito em conjunto com sete parceiros académicos e industriais.
O objetivo de Flins é ser um centro completo de economia circular, tendo por objetivo, em 2030, contar com 3000 empregador e eliminar as emissões de CO2 nas suas operações. Será também em Flins que será fixado o novo centro de protótipos VCL, como é o caso do próximo Renault Master, cujo programa de desenvolvimento se inicia agora.
Fábrica de carros usados
Um dos conceitos mais interessantes de Flins é da Fábrica de Carros Usados (‘Used Car Factory’), com uma capacidade de 45 mil automóveis por ano, sendo também o primeiro centro deste género na Europa para o retratamento de veículos em segunda mão. A ideia deste projeto é de que todos os automóveis adquiridos pela rede para revenda ou que sejam vendidos nos concessionários aderentes sejam enviados para o centro técnico de Flins, onde passa a existir uma muito maior facilidade de avaliação e reparação.
Além de ter uma grande capacidade, é também mais rentável em termos de custo ao tratar-se de um processo industrial, com logística partilhada entre peças para carros novos e para carros em segunda mão. No total, conta com quatro linhas de produção, com um centro de controlo integrado e digitalização em tempo real. Em termos de qualidade, foram instituídos padrões de qualidade idênticos aos dos automóveis novos. No caso dos elétricos é revisto o estado e funcionamento das baterias.
No final do processo o carro é fotografado numa câmara especial que tira imagens de todos os ângulos, sendo enviadas de seguida para o vendedor que o pode recolocar à venda quase de imediato. De forma curiosa, não serão apenas os automóveis das marcas do Grupo Renault a serem trabalhados nesta fábrica de carros usados: também já fazem o mesmo com veículos do grupo Stellantis e da Toyota, prevendo-se que aumente o número de marcas adaptadas ao serviço Refactory.
O foco no hidrogénio
Uma das outras áreas de trabalho em Flins é o da Hyvia, uma joint-venture detida 50/50 entre o Grupo Renualt e a Plug Power, estando focada em descarbonizar a mobilidade. Este conceito assenta no trabalho em torno de automóveis de pilha de combustível a hidrogénio – serão três variantes convertidas do comercial Master -, sendo reforçada a ideia de que este hidrogénio a utilizar será ‘verde’, com zero emissões de CO2, autonomias mais amplas do que os elétricos e baixos tempos de reabastecimento.
A ideia desta parceria é, para já, fornecer veículos comerciais ligeiros a hidrogénio: os primeiros serão o Master Van H2-Tech, o Master Chassis Cab H2-Tech e o Master City Bus H2-Tech. Baseados na plataforma Dual Power Architecture, têm como base as versões elétricas, mas são adaptados para receberem a pilha de combustível e os tanques de hidrogénio.
Nesta fase, Flins tem uma capacidade de produção de 1000 pilhas de combustível por ano, sendo aqui que é feita a testagem e montagem das mesmas. Já o objetivo da Hyvia é de registar uma quota de mercado de 30% no segmento dos comerciais a hidrogénio em 2030.
Expansão a outros países; Portugal na calha
A intenção de levar o conceito Refactory a mais locais do mundo foi confirmada pelos responsáveis da Renault numa conferência online em que o Motor24 participou, sendo natural que tal aconteça ao abrigo da estratégia atual do Grupo Renault.
Questionado quanto ao potencial de expansão da ideia a outros países, Jean-Philippe Billai, Diretor da Refactory e, simultaneamente, da fábrica de Flins, no Norte de França, explicou que, “se considerarem apenas a ‘Used Car Factory de Flins, o alcance é de cerca de 200 a 300 quilómetros em seu redor, pelo que para aumentar o número [de automóveis] é necessário chegar a outros sítios. Temos já um projeto em desenvolvimento em Sevilha, Espanha, e estamos a trabalhar no eventual desenvolvimento de projetos semelhantes em Portugal, Turquia e América do Sul”.
Embora não tenham sido adiantados detalhes concretos desta possibilidade, sabe-se da importância da fábrica de Cacia para a rede de produção do Grupo Renault, prevendo-se que esta fábrica possa estar na calha para ser uma das novas Refactories. Uma decisão oficial a este respeito deverá ser anunciada em breve.
Fonte: Motor 24